Publisher's Synopsis
Neste livro, a poesia portuguesa do fim do seculo XX e do inicio do seculo XXI e analisada como sintoma das grandes transformacoes globais que ocorreram no mesmo periodo a nivel cultural, social, etico, tecnologico, comunicacional e, em primeiro lugar, estetico. O mundo contemporaneo e feito de redes de redes, de interfaces, de discursos fragmentarios que se cruzam, de simulacoes que operam a margem de esquematismos organicos adquiridos, de lances transversais entre saberes, expressoes e olhares. Este novo jogo de perspectivas nao pode eximir-se a analise da literatura. Foi esse o nosso desafio que acabou por se traduzir num distanciamento face a tradicao que se habituou a confrontar o objecto poetico-literario com um metadiscurso apenas especificamente teorico-literario. Nessa perspectiva, a analise levada a cabo foi rica, ponderada, muito variada e sobretudo compensadora (ha perto de cem poemas citados, relacionados e comentados ao longo deste estudo ). Deixamos, agora e aqui, algumas das pistas dos caminhos percorridos: Em primeiro lugar, nao deixou de ser interessante verificar o modo como esta poesia confirmou um regresso ao presente e ao quotidiano, espelhando, de um lado, a amnesia colectiva contemporanea e, do outro, o cessar das ilusoes milenarias que foram fazendo do futuro uma especie de prometido exilio mais sacrificial do que salvifico. Em segundo lugar, e de realcar o pendor emotivo, realista e descritivo desta poesia que tenta redescobrir nos microcosmos do dia a dia o grau de intemporalidade que vai rareando num mundo subitamente acentrado, aberto e cada vez mais disposto em rede. Refira-se ainda o modo como estes poetas de 90 e 2000 estao a enunciar as proteses de um corpo pos-etico, hedonista e propenso a mobilidade e a celeridade contemporaneas, nao deixando, ao mesmo tempo, de tracar empatias com diversissimas expressoes plasticas e performativas da actualidade. Em terceiro lugar, deve sublinhar-se o facto de todo esta voga expressiva estar a ser claramente enunciada num tom afirmativo e, portanto, superador dos espiritos de "vanguarda" ou da tradicional monossemia contracultural. No reverso de um pathos barroco ou "afectado," a novissima poesia portuguesa revela tambem um forte grau de revivalismo melancolico e evocativo, mas sobretudo persegue uma liberdade especifica que se manifesta na procura desideologizada de uma autonomia (ficcional propria), nitidamente dissociada de estafadas narrativas tutelares. Em quarto lugar, para alem de todos estes factos e efeitos, refira-se ainda que a poesia escrita em Portugal nos ultimos quinze anos reflecte, de modo quase frio e as vezes caustico e vigoroso, a banalizacao mediatica e a massificacao da vida em "fluxos" (de imagem, de comunicacao, de consumo, de viagem ou das industrias do narcisismo urbano) e nao esconde, por outro lado, nessa confissao mordaz, as tendencias sexuais "light," "save," "hight tech" e genericamente proteticas que estao a transformar o profissionalismo plastico do corpo contemporaneo na mais desinibida liofilizacao do desejo."